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O papel dos sindicatos como prestadores de serviços de assistência jurídica gratuita

Resumo: O sindicato é contemplado como instituição que favorece a dissolução de choque de interesses entre as classes operárias e patronais. A CLT estabelece a função de representação que está associada ao dever estatal de possibilitar o devido acesso à justiça. A prestação da assistência judiciária gratuita oferecida pelo sindicato foi analisada neste trabalho, em face do artigo 134 da Constituição Federal que dispõe sobre a incumbência da Defensoria Pública como instituição essencial à função jurisdicional do Estado.

Palavras-chave: Sindicato. Assistência judiciária gratuita. Defensoria Pública.

INTRODUÇÃO

A ideia de sindicato está associada à luta dos direitos de uma determinada categoria. Desse modo, podem ser vistos como instituições essenciais a construção de relações mais equânimes e justas, favorecendo, assim, à dissolução de choque de interesses entre as classes operárias e patronais.

Sendo o trabalhador hipossuficiente, cuidou a legislação de garantir a eficácia do princípio fundamental de acesso à justiça, atribuindo entre várias funções do sindicato, o dever de assistir o trabalhador perante as autoridades administrativas e judiciárias.

Essa assistência dentro do processo judicial compreende o foco do presente estudo, que surge como fruto de uma análise acerca da prestação da assistência judiciária gratuita oferecida pelos sindicatos, conforme a Lei nº 5.584 de 26 de junho de 1970 em face do artigo 134 da Constituição Federal. A CRFB/1988 dispõe sobre a incumbência da Defensoria Pública, como instituição essencial à função jurisdicional do Estado trazida como direito fundamental no artigo 5º, LXXIV.

Para a construção da presente análise realizamos uma pesquisa bibliográfica com uma abordagem qualitativa. Para uma melhor compreensão sobre o tema em questão, dividiremos o trabalho em três partes. Traçaremos a definição e funcionalidade do Sindicato, faremos um contraponto entre a assistência judiciária gratuita e a gratuidade da justiça e, por derradeiro, explanaremos a assistência prestada pelo sindicato nas demandas individuais e a sua possível incongruência com o papel da Defensoria pública.

1 SINDICATO

1.1 Conceito

A palavra sindicato deriva do latim syndicus, que é proveniente do grego sundikós, com o significado do que assiste em juízo ou justiça comunitária. Segundo Sérgio Pinto Martins (2009, p. 702), o uso da palavra sindicato referente à classe de trabalhadores, verificou-se na Europa, a partir de 1930.

Hoje, a palavra sindicato engloba tanto organização de trabalhadores, como a de empregadores. A Consolidação das Leis do Trabalho, em seu artigo 561, utiliza tal denominação para as associações de primeiro grau e as expressões “Federação” e “Confederação” para as entidades de grau superior.

Como a CLT apenas esclarece em seu artigo 511 que, é lícita a associação para fins de estudo, defesa e coordenação dos seus interesses econômicos ou profissionais de todos os que, como empregadores, empregados, agentes ou trabalhadores autônomos, ou profissionais liberais, exerçam, respectivamente, a mesma atividade ou profissão ou atividades, ou profissões similares ou conexas, fica a cargo da doutrina conceituar o termo.

Para Sérgio Pinto Martins (2009), sindicato é a associação de pessoas físicas ou jurídicas que têm atividades econômicas ou profissionais, visando à defesa dos interesses coletivos e individuais de seus membros ou categoria.

Podemos considerar que o sindicato é uma pessoa jurídica de direito privado, pois, segundo o artigo 8º, II, da Constituição Federal de 1988, não pode haver interferência ou intervenção pelo Estado. Não podemos considerar que o sindicato tem natureza pública, já que a Carta Magna estabelece a liberdade sindical. As normas coletivas constituídas pelos sindicatos, como os acordos e as convenções coletivas, não têm natureza pública, e sim privada. Por fim, cabe esclarecer que o fato de o Estado reconhecer o sindicato não o transforma em entidade de direito público, até porque, as associações são uma das formas de exercício de direitos privados, nos termos do artigo 44 do Código Civil.

2. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA VERSUS GRATUIDADE DA JUSTIÇA

O dever estatal de possibilitar o devido acesso à justiça aos hipossuficientes está estabelecido na Constituição Federal, artigo 5º, inciso LXXIV: “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”. Em verdade, esse dispositivo contempla dois diferentes institutos dentro do termo assistência jurídica integral: a assistência judiciária gratuita a ser promovida pelos defensores públicos e a justiça gratuita.

A Lei nº 1.060, de 5 de fevereiro de 1950 surgiu para estabelecer normas para a concessão de assistência judiciária aos necessitados. Entretanto, o que ela faz menção é a gratuidade da justiça ou justiça gratuita, utilizando, assim, inadequadamente o termo “assistência judiciária gratuita”. Marcacini (1996, p.33) esclarece o que vem a ser justiça gratuita: “Por justiça gratuita, deve ser entendida a gratuidade de todas as custas e despesas, judiciais ou não, relativas a atos necessários ao desenvolvimento do processo e à defesa dos direitos do beneficiário em juízo. O beneficiário da justiça gratuita compreende a isenção de toda e qualquer despesa necessária ao pleno exercício das faculdades processuais, sejam tais despesas judiciais ou não. Abrange, assim, não somente custas relativas aos atos processuais a serem praticados, como também todas as despesas decorrentes da efetiva participação na relação processual.”

No estrito plano da lei, a justiça gratuita está enunciada no artigo 3º da Lei supracitada: “A assistência judiciária compreende as seguintes isenções: I - das taxas judiciárias e dos selos; II - dos emolumentos e custas devidos aos Juízes, órgãos do Ministério Público e serventuários da justiça; III - das despesas com as publicações indispensáveis no jornal encarregado da divulgação dos atos oficiais; IV - das indenizações devidas às testemunhas que, quando empregados, receberão do empregador salário integral, como se em serviço estivessem, ressalvado o direito regressivo contra o poder público federal, no Distrito Federal e nos Territórios; ou contra o poder público estadual, nos Estados; V - dos honorários de advogado e peritos; VI – das despesas com a realização do exame de código genético – DNA que for requisitado pela autoridade judiciária nas ações de investigação de paternidade ou maternidade; VII – dos depósitos previstos em lei para interposição de recurso, ajuizamento de ação e demais atos processuais inerentes ao exercício da ampla defesa e do contraditório. Parágrafo único. A publicação de edital em jornal encarregado da divulgação de atos oficiais, na forma do inciso III, dispensa a publicação em outro jornal.”

Nota-se que, em nenhum momento, o referido dispositivo legal menciona a possibilidade de o Estado proporcionar aos hipossuficientes o patrocínio das suas causas por meio de defensores ou entidades criadas com esse encargo. O referido comando versa somente sobre a dispensa do pagamento de custos emanados da postulação ao Poder Judiciário; do acesso à justiça.

Dessa forma, faz-me mister o esclarecimento enumerado por Marcacini (1996, p.31), sobre o que realmente intitula-se assistência judiciária gratuita: “A assistência judiciária envolve o patrocínio gratuito da causa por advogado. Assistência judiciária é, pois, um serviço público organizado, consistente na defesa em juízo do assistido, que deve ser oferecido pelo Estado, mas que pode ser desempenhado por entidades não estatais conveniadas ou não com o Poder Público. Ou, por figura de linguagem, costuma-se “chamar de assistência judiciária” o agente que presta este serviço. É importante acrescentar que, por assistência judiciária neste último significado, não devemos entender apenas o órgão oficial estatal, mas todo agente que tenha por finalidade principal a prestação do serviço, ou que o faça com frequência, por determinação judicial, ou mediante convênio com o Poder Público. Assim, são prestadores de assistência judiciária tanto a defensoria pública como entidades não estatais que desempenham este serviço como atividade principal. Até mesmo os advogados que isoladamente, mas por determinação judicial ou Convênio com o Estado, desempenham o serviço com frequência podem ser considerados prestadores de assistência judiciária. Não seria correto chamar-se de prestador de assistência judiciária, porém, o advogado ou escritório de advocacia que, eventualmente, ainda que mais de uma vez, atendesse gratuitamente alguém.”

Verificado o conceito, notamos que apenas os artigos 1º e 5º da Lei nº 1.060/50, trata corretamente da assistência judiciária conforme a explanação colacionada: “Art. 1º. Os poderes públicos federal e estadual, independente da colaboração que possam receber dos municípios e da Ordem dos Advogados do Brasil, - OAB, concederão assistência judiciária aos necessitados nos termos da presente Lei. [...] Art. 5º. O juiz, se não tiver fundadas razões para indeferir o pedido, deverá julgá-lo de plano, motivando ou não o deferimento dentro do prazo de setenta e duas horas. § 1º. Deferido o pedido, o juiz determinará que o serviço de assistência judiciária, organizado e mantido pelo Estado, onde houver, indique, no prazo de dois dias úteis o advogado que patrocinará a causa do necessitado. § 2º. Se no Estado não houver serviço de assistência judiciária, por ele mantido, caberá a indicação à Ordem dos Advogados, por suas Seções Estaduais, ou Subseções Municipais. § 3º. Nos municípios em que não existirem subseções da Ordem dos Advogados do Brasil. o próprio juiz fará a nomeação do advogado que patrocinará a causa do necessitado. § 4º. Será preferido para a defesa da causa o advogado que o interessado indicar e que declare aceitar o encargo. § 5° Nos Estados onde a Assistência Judiciária seja organizada e por eles mantida, o Defensor Público, ou quem exerça cargo equivalente, será intimado pessoalmente de todos os atos do processo, em ambas as Instâncias, contando-se-lhes em dobro todos os prazos.”

2.1 Assistência judiciária gratuita na Justiça do Trabalho

A Lei nº 5.584, de 26 de junho de 1970 dispõe sobre normas de Direito Processual do Trabalho, altera dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho e disciplina a concessão e prestação de assistência judiciária na Justiça do Trabalho.

3 ASSISTÊNCIA PRESTADA PELO SINDICATO NAS DEMANDAS INDIVIDUAIS E O PAPEL DA DEFENSORIA PÚBLICA

A Consolidação das Leis do Trabalho estabelece em seu artigo 514, alínea “b” que incumbe aos sindicatos manter serviços de assistência judiciária para os associados.

Em nível constitucional está o comando legal estatuído no artigo 8º, inciso III, que dá aos sindicatos a tarefa de defender os direitos e interesses coletivos e individuais da categoria, em questões judiciais ou administrativas.

Minuciosamente, a questão encontra-se disciplinada na Lei nº 5.584/70, em seus artigos 14 a 18: “Art. 14. Na Justiça do Trabalho, a assistência judiciária a que se refere a Lei nº 1.060, de 5 de fevereiro de 1950, será prestada pelo Sindicato da categoria profissional a que pertencer o trabalhador. § 1º A assistência é devida a todo aquele que perceber salário igual ou inferior ao dobro do mínimo legal, ficando assegurado igual benefício ao trabalhador de maior salário, uma vez provado que sua situação econômica não lhe permite demandar, sem prejuízo do sustento próprio ou da família. § 2º A situação econômica do trabalhador será comprovada em atestado fornecido pela autoridade local do Ministério do Trabalho e Previdência Social, mediante diligência sumária, que não poderá exceder de 48 (quarenta e oito) horas. § 3º Não havendo no local a autoridade referida no parágrafo anterior, o atestado deverá ser expedido pelo Delegado de Polícia da circunscrição onde resida o empregado. Art. 15. Para auxiliar no patrocínio das causas, observados os arts. 50 e 72 da Lei nº 4.215, de 27 de abril de 1963, poderão ser designados pelas Diretorias dos Sindicatos Acadêmicos, de Direito, a partir da 4º Série, comprovadamente, matriculados em estabelecimento de ensino oficial ou sob fiscalização do Governo Federal. Art. 16. Os honorários do advogado pagos pelo vencido reverterão em favor do Sindicato assistente. Art. 17. Quando, nas respectivas comarcas, não houver Juntas de Conciliação e Julgamento ou não existir Sindicato da categoria profissional do trabalhador, é atribuído aos Promotores Públicos ou Defensores Públicos o encargo de prestar assistência judiciária prevista nesta lei. Parágrafo único. Na hipótese prevista neste artigo, a importância proveniente da condenação nas despesas processuais será recolhida ao Tesouro do respectivo Estado. Art. 18. A assistência judiciária, nos termos da presente lei, será prestada ao trabalhador ainda que não seja associado do respectivo Sindicato.”

Faz-se mister enaltecer que, o procedimento contido em tais dispositivos não torna os comandos estatuídos nos artigos 5º, LXXIV e 134 da Constituição Federal de 1988, que estabelecem a atuação das Defensorias Públicas, uma exceção ou norma de segundo plano. Isso porque, não pode uma legislação infraconstitucional restringir os direitos firmados pela CRFB/1988.

A atuação sindical na assistência aos necessitados é de grande valia, entretanto, o artigo 17 supracitado pretende inverter a ordem estabelecida na Constituição, quando menciona que a atuação da Defensoria Pública ocorrerá apenas em sede de exceção, quando inexistirem sindicatos.

Aparentemente existe um confronto entre as normas constitucionais do artigo 8º, II e as postas nos artigos 5º, LXXIV e 134. Porém, essa é uma falsa cognição porque a diretriz proposta no primeiro artigo citado, apenas encerra uma das atribuições dos sindicatos, enquanto o segundo e terceiro, tutelam garantia fundamental, impossível de ser posta em plano secundário.

A corroborar com o exposto estão as lições de Carrion (2006, p. 602 – 603): “A L. 5.584/70, art. 14, não pode ser interpretada, como vem sendo, no sentido de ter excluído do processo trabalhista a L. 1.060, tornando a assistência uma exclusividade dos sindicatos: a) porque o texto (Lei n. 5.584/70) não diz (como poderia parecer) que na Justiça do Trabalho a assistência "só será prestada pelo sindicato"; b) porque uma interpretação limitadora, que se deixe levar pela primeira impressão gramatical que transmite o texto, contraria o progresso histórico brasileiro; este é no sentido de seu aperfeiçoamento. Pontes de Miranda afirma mesmo que "a escolha de advogado pela parte marca a evolução da justiça gratuita no Brasil (Comentários ao CPC/39, art. 67), viola ainda os postulados igualitários; dignifica retrocesso no próprio direito processual comum brasileiro; falta-lhe visão da grandeza da Justiça e da missão do advogado; c) porque perquirindo-se a finalidade da lei, não há vantagem na discriminação contra o necessitado trabalhista, em cotejo com o necessitado do processo comum; seja o advogado do sindicato, seja o advogado escolhido pelo trabalhador, os honorários serão pagos pelo adversário vencido; d) porque é inconsistente o argumento de que na Justiça do Trabalho o advogado é desnecessário, mesmo reconhecendo-se às partes o direito de postular; e) porque não se deixariam sem assistência judiciária os trabalhadores das cidades onde não há sede do sindicato e existe Vara do Trabalho, os trabalhadores de sindicatos que não possam organizar a assistência; os servidores públicos estaduais e municipais, que não tenham categoria que os represente, as domésticas e seus patrões; as hipóteses em que o advogado do sindicato está impedido; o pequeno empreiteiro; o cliente deste; o pequeno empregador arruinado; certos humildes reclamados (tão hipossuficientes quando seus reclamantes); o trabalhador que discorde da orientação adotada pelo sindicato.”

Esse desabafo do jurista enfatiza a incongruência existente entre a Lei 5.584/70 e o ordenamento constitucional no que se refere a assistência jurídica integral e gratuita a ser oferecida pelo Estado.

Mais além, não se pode onerar uma entidade privada com funções típicas do poder público. Poderiam sim, oferecer auxílio na assistência jurídica, mas esta não pode ser colocada em primeiro plano, principalmente existindo previsão constitucional de um órgão específico para realização de tal tarefa, que é a Defensoria Pública.

No âmbito da Justiça do Trabalho a atuação a ser disciplinada é a da Defensoria Pública da União, pois já recrutada como sua atividade na Lei Complementar nº 80, de 12 de janeiro de 1994. Então, a melhor saída é regulamentar tal assistência, desonerando os sindicatos, ao menos nas demandas individuais. E aqui talvez o termo mais coerente seja desobrigar e não desonerar, pois não se pode impedir os sindicatos de prestarem esse serviço, posto que são pessoas jurídicas de Direito Privado.

CONCLUSÃO

Os sindicatos com sua função inicial de representante dos operários cresceram e tornaram-se grandes associações de classe tanto dos trabalhadores quanto dos empregadores. Dessa forma, muitas foram as atribuições outorgadas à essas organizações, e uma delas é a de prestar assistência aos hipossuficientes.

Essa função acabou por sobrepor-se ao papel constitucionalmente estabelecido da Defensoria Pública, pois a Lei nº 5.584/70 coloca os sindicatos como a primeira opção de assistência aos necessitados.

Porém, não podemos olvidar que o papel de prestar assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovem insuficiência de recursos é do Estado e este direito é assegurado ao cidadão como fundamental. Assim, uma legislação infraconstitucional não pode retirar tal papel e repassá-lo aos sindicatos, onerando tais organizações e permitindo ao Estado esquivar-se de cumprir o dever de garantia fundamental. O que se pretende é a regulamentação da atuação Defensoria Pública da União perante os órgãos do Judiciário Trabalhista para que verdadeiramente seja tutelado o direito assegurado como fundamental no artigo 5º, inciso LXXIV, da CRFB/1988.

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